sábado, 31 de março de 2012

O swing dos grandes e novos baianos



Músicas de ninar com letra psicodélica, cavaquinhos com pegada Jimi Hendrix, coros, pandeiros, café, futebol. Lançado pelos Novos Baianos em 1972, 'Acabou Chorare', delicioso mix de samba e rock'n'roll, inaugurou não só uma vertente na carreira da banda como um estilo do fazer musical no Brasil. Hoje, do alto de seus 40 anos, já foi eleito o mais importante da nossa música pela revista Rolling Stone e continua sendo extremamente atual, inspirador e contagiante. Em sua homenagem, o Pampulha convidou a banda belo-horizontina Vagabundo não é Fácil, cover dos Novos,  para comentar uma a uma as dez canções do disco. Os relatos tinindo e trincando do guitarrista, violonista e bandolinista Paulim Sartori e dos vocalistas Cris Lima e Luiz Nascimento você confere a seguir.

1. Brasil Pandeiro
 
Cris Lima - "Brasil Pandeiro" inaugura uma nova sonoridade na trajetória dos Novos Baianos – bem diferente da época de Ferro Na Boneca (1969). É com ela que o grupo abraça o samba e assume suas raízes brasileiras, fortemente influenciados pela amizade com João Gilberto. Impossível não querer dançar ao som dessa música do Assis Valente!.
 
Paulim Sartori - Pouca coisa escancara mais a genialidade de um artista quanto uma apropriação magistral de uma música que não é sua, ao ponto de que a interpretação se confunde com a composição. Eis o prelúdio do encontro entre João Gilberto e Jimi Hendrix que tão originalmente representa esse disco.
 
 
2. Preta Pretinha 
 
Cris - O que mais me impressiona nessa música é a sua simplicidade. São apenas 2 acordes e no entanto é uma das canções mais pedidas no nosso show, aquela que todo mundo canta junto, em comunhão. Não é a toa que ela aparece no disco duas vezes e fez sucesso em todo o país.
 
Paulim - O caráter hínico dessa obra-prima é inegável. Clama-se um nome impessoal e, com isso, convida-se toda a alteridade para dentro de si. Aqui temos o exemplo de uma letra que não poderia ser outra coisa que não cantada, vocativo de todo indivíduo que escuta; é fala que voa em torno do Sol.
 
 
3. Tinindo Trincando 
 
Cris - Acho muito bacana a mistura que eles fazem nessa música, que começa bem rock’n’roll e no meio incorpora um baião, com direito a triângulo e tudo. Essa mistura de gêneros e ritmos vai marcar a trajetória da banda daí em diante. A Baby canta muito bem nessa faixa, fazendo as imitações da guitarra de um jeito muito singular. Pepeu, excelente instrumentista, consegue demonstrar sua incrível habilidade sem abrir mão da musicalidade.
 
Paulim - Aqui Pepeu se encontra; e com ele se encontram todos os novos baianos. A guitarra distorcida que exalta o "swing brasileiro", o canto que samba em cima do rock e o triângulo que diz tanto quanto a bateria, põem a música à frente do músico. É a rendição do artista à arte – o quê de maior desse disco nasce aqui, porque quem vai de "não" não chega não; e os Novos Baianos vão de "sim". 
 
 
4. Swing De Campo Grande
 
Cris - Essa música é uma delícia de cantar, tocar e dançar. Uma evocação da festa de rua, uma espécie de declaração de amor ao carnaval. E esse refrão “Eu não marco toca, eu viro toca, eu viro moita” é impagável.
 
Paulim - Assumida a figura paterna de João Gilberto, os filhos do mestre o transgridem: aqui vemos um tradicional samba, com toda a percussão regional e coro, voluntariamente avassalado por um violão de aço tocado como uma guitarra e um cavaco trilhando o mesmo anseio roqueiro. Não bastasse o que os sons nos dizem, ouvimos o brado do espírito carnavalesco brasileiro, maior ele próprio que uma simples festa de Carnaval – são as quatro letras de "amor". 
 
 
5. Acabou Chorare 
 
Luiz Nascimento - Acabou Chorare parece brinquedo, Moraes e Galvão brincando de fazer música, ou fazendo música brincando. Parece João Gilberto cantarolando tão despretensioso que só um passarinho pra fazer coro. É uma canção que deita a cabeça da gente no colo, consegue trazer subitamente uma paz de criança dormindo. Impossível não se derreter pela doçura da letra, que remete a coisas tão boas que não se sabe o quê, a gente não lembra, mas sente saudade. No fim, os versos já um pouco melancólicos, são acalentados pela craviola afiada de Pepeu, deixando uma leve brisa de esperança no ar...
 
Cris - É lindo esse jogo de onomatopéias inspirados na fala da pequena Bebel Gilberto (que se confundia no português, espanhol e inglês, em função das viagens em turnê do pai). Confere à música um caráter lúdico e singelo! É uma música bem econômica, na maior parte do tempo, voz e violão (há um quê de bossa nova na interpretação). Quando entra a craviola, uma nova textura, um novo timbre ganha relevo - uma espécie de elemento surpresa, providencialmente deixado para o final.
 
Paulim - Dessa não se diz muita coisa: é auto-referencial. Uma ode ao amanhecer, pintada na fé do café e no lindo bule bulindo, que alvorece no "zum zum e mel" da craviola de Pepeu. Acabou chorare e tudo pode começar de novo, o que passou foi pra escanteio. Põe-nos em suspensão e abertura para uma outra chance, para uma oportunidade ao diferente que se harmoniza ao igual, para todas as potencialidades que um talvez carrega consigo. Brilhante. 
 
 
6. Mistério Do Planeta 
 
Cris - Mais do que uma banda, os Novos Baianos formavam uma família, uma comunidade. Nessa música, eles fazem um elogio ao encontro e à troca e ao mistério que é viver nesse mundo. A letra tem um caráter reflexivo. Na minha opinião, uma das melhores dos Novos Baianos.
 
Paulim - O canto do enigma da existência humana ao colocar-se no mundo como falta. A gente se põe como é – falta de ser –, mas só se é baixando a guarda para o que o outro também faz da gente; nosso ser é "sendo", gerúndio que se torna particípio no que fica em cada um. Rock que só faziam os Novos Baianos, carregado em letra, voz e instrumentação, com direito a um antológico solo de guitarra de Pepeu. Uma das melhores canções deles, sem dúvida.
 
 
7. A Menina Dança 
 
Cris - Essa música já ganhou outras versões, mas perece-me que ela foi feita sob medida para a Baby cantar. Difícil improvisar com a fluência dela. No filme do Solano Ribeiro, vemos os Novos Baianos tocando essa música a Baby dançando, tão despojada, é sensacional. Ela encarna, em corpo e voz, a menina que dança. De todas as músicas que a Baby canta, esta é a que mais gosto.
 
Paulim - Essa é a mulher dos Novos Baianos. Quando Baby chegou já tinha Elis, Gal, mas não tinha Consuelo. Veio como só ela poderia vir. De fato, a performance dos Novos Baianos tocando essa música no quintal do Cantinho do Vovô diz tudo: por entre roupas no varal, pelada do fim de tarde e uma vida verdadeiramente comunitária, está a música do grupo. Canção de um charme peculiar e uma delicadeza como só a Baby, nos tempos de Consuelo, podia ter.
 
 
8. Besta É Tu 
 
Cris - Nos nossos shows, deixamos Besta É Tu sempre mais para o final, para encerrar o show em alto astral. Samba rasgado, com um refrão que se repete até virar uma onomatopéia (“bestétu”). Um convite a viver este mundo, aqui e agora.
 
Paulim - Mais uma celebração vivaz do simples, aqui sustentada pela explícita disposição de espírito do conjunto-família. Samba forte, ora animado, ora melancólico. De um lado o Sol, de outro o perigo na rua. Acho que em shows fica difícil perceber o peso dessa música, mascarado por ser tão dançante e aberta. Essa é bem Brasil.
 
 
9. Um Bilhete Pra Didi 
 
Cris - Única peça instrumental do disco. A melodia principal é executada primeiro pelo cavaquinho e na segunda parte da música, pela guitarra. A mudança de timbre é bem inusitada, pois se trata de um baião, que vai ganhando a roupagem do rock. Esse tipo de mistura hoje é mais usual, mas àquela época, era uma inovação. Destaque para a excelente execução da guitarra de Pepeu.
 
Paulim - A primeira de uma série de monumentais peças instrumentais dos Novos Baianos. Incrível que em meio a tanta completude artística, ainda tenhamos exímios instrumentistas, interessados na busca de um novo som e mais entrosados que quaisquer outros. Realmente, esse é um baião-rock que nunca precisou de letra – voz ele sempre teve.
 
 
10. Preta Pretinha
 
Paulim - Se a Som Livre queria uma versão "veiculável" para as rádios, de menor duração, o que conseguiu mesmo foi o fechamento ideal do disco: retoma seu início e cria um finale de saudade e em harmonia com a ideia de que há fim. Acabou "Acabou Chorare" e ficou tudo lindo”.

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